“O meio em que eu vivia. O ambiente, as cenas que eu via, tudo o que eu ouvia dentro de casa. A curiosidade que eu tive. Tudo me levou para o mundo da droga muito cedo”, relata Jully Mayko Rocha Cabral.
Ele é um entre os milhares que entraram para as estatísticas de jovens envolvidos com as drogas e a criminalidade. Quando criança, ver os pais consumindo bebida alcóolica e usando entorpecentes era algo comum para ele e os irmãos. Aos 16 anos, experimentou a droga pela primeira vez.
A mãe, Maria de Nazaré Coelho, afirma que lutou para se recuperar quando viu os filhos entrarem no mesmo caminho.
“Não tinha paz na minha vida. Meu marido usava droga todo dia, ficava agressivo, magoava meus filhos, até que um dia eles também começaram a usar. Eu chegava em casa, via aquela bebedeira, aquela zona, todo mundo usando droga, aquilo me desesperava, e a única forma que eu achava para ficar no nível deles era fazer do mesmo jeito. Quando me dei conta do mal que a gente estava causando aos nossos filhos, decidi largar aquela vida. Foi difícil, mas eu consegui”, conta, emocionada.
Refém da própria liberdade
Hoje, aos 33 anos, Mayko reconhece que teve muitas oportunidades. Contudo, preferiu conhecer os atalhos, porque cometer delitos lhe parecia um caminho mais curto para conseguir o que queria. Depois de abandonar os estudos, teve todo o tempo livre para, cada vez mais, tornar-se refém do vício.
Por vezes, cometeu roubos e assaltos: “Quando eu assaltava, pensava que estava sendo ‘o cara’ fazendo o mal para as pessoas. Hoje, vejo como fui um covarde”, admite. Há quase seis meses, abandonou as drogas, depois de idas e vindas aos centros de recuperação.
“Hoje eu pago as consequências das minhas escolhas. Sei que podia ter estudado e me dado bem na vida, mas sempre existe o recomeço. Hoje meu filho me vê uma pessoa diferente, minha mulher pode dormir em paz, minha mãe vive tranquila. Quando eu fiquei no fundo do poço, quem dizia que era meu amigo virou as costas, mas essas três pessoas nunca desistiram de mim”, conclui.
Drogas – uma ponte para a criminalidade
Na Unidade Aquiry, do Instituto Socieducativo (ISE), em Rio Branco, o adolescente Alex Silva (nome fictício), 17 anos, internado há seis meses, foi sentenciado por tentativa de homicídio.
Ele comenta que perdeu o pai aos sete anos e morou com a mãe e o avô até os doze, na capital, idade em que conheceu a maconha.
“Aí comecei a me envolver com coisa errada, tive que ir embora para Brasileia, porque queriam me matar aqui. Lá, continuei aprontando e vim parar aqui, internado”, diz.
“Eu chegava em casa, via aquela bebedeira, todo mundo usando droga, aquilo me desesperava e a única forma que eu achava para ficar no nível deles era fazer do mesmo jeito”
Nazaré Coelho
Ele e o irmão mais velho estão na mesma unidade, pelos crimes cometidos em consequência do envolvimento com as drogas. Hoje, o sonho do socioeducando é conquistar a liberdade novamente para cuidar da mãe, acometida de câncer em estágio avançado.
Quando indagado sobre as reflexões que tem feito nesse período de internação, Alex dá um conselho aos jovens: “É fácil entrar nessa vida, difícil é sair. A droga destrói qualquer família, e quem está começando nessa vida procure ajuda o mais rápido possível”.
Como o Acre se comporta diante da problemática universal
A dependência química associada à prática de crimes é um problema a ser superado em esfera universal. No Acre, políticas públicas foram adotadas no intuito de ressocializar os adolescentes e jovens em conflito com a lei.
Nesse sentido, o Instituto Socioeducativo (ISE) detém unidades em Rio Branco e outras cidades do estado, com acompanhamento social e pedagógico, práticas de incentivo ao esporte e lazer, oferta de cursos profissionalizantes e outras atividades.
De acordo com o diretor-presidente do ISE, Rafael Almeida, há fatores preponderantes que levam milhares de jovens a entrar em regime de ressocialização. Entretanto, o mais comum continua sendo a inconsistência de vínculos familiares.
“Infelizmente, 97% dos casos que chegam ao ISE são relacionados a jovens que se encontram em condições de extrema vulnerabilidade social e acabam enveredando pelos caminhos do furto, tráfico, assalto, homicídios, latrocínios e outros ilícitos. Nosso papel é mostrar a eles novas oportunidades e fazê-los refletir sobre os erros que cometeram”, esclarece Almeida.
Educação como alternativa fundamental
Em Rio Branco, há quatro unidades da instituição: Santa Juliana (para socioeducandos provisórios em medidas de prevenção), Aquiry (para sentenciados), Acre (àqueles com possibilidade de saída externa para estudar e trabalhar) e Mocinha Magalhães (unidade feminina).
Atualmente, 530 estão inseridos no sistema, sendo 428 em internação e 102 em semiliberdade. Em parceria com a Secretaria de Estado de Educação e Esporte (SEE), o ISE dispõe de estrutura física e profissional para que os socioeducandos estudem lá dentro. Do total de internos, 328 estão em sala de aula.
Biblioteca, sala de informática, quadra de esporte e consultório odontológico estão disponíveis. Com a mediação do Instituto Dom Moacyr (IDM) e do Sistema S, cursos de qualificação também são oferecidos, como garantia de oportunidade de reinserção ao convívio social.
Instituição, família e socioeducando
Cada adolescente sentenciado é avaliado por um Plano Individual de Atendimento (PIA), junto a uma equipe multiprofissional, que envolve psicólogos e assistentes sociais.
O PIA define quais estratégias poderão ser adotadas para que quem cumpre medidas socioeducativas, dia a dia, possa ter um quadro evolutivo de comportamento que lhe permita sair logo da unidade.
Para isso, faz-se necessário o empenho não apenas do adolescente, mas dos familiares e da própria instituição. Em alguns casos, a família participa, inclusive, das atividades da unidade, como os cursos profissionalizantes. Quinzenalmente, os socioeducandos são atendidos pela assistência social, que analisa caso a caso.
“É fundamental que a família participe desse processo, que começa quando o adolescente chega à unidade e vai até o dia que ele está apto a conviver socialmente de novo, é um relatório da vida dele dentro da instituição, para ajudá-lo a reconstruir a vida”, completa o diretor-presidente.