Na terça-feira, por volta das 17h45, vi um jovem negro de 17 anos saltar o guarda-corpo e sentar-se na parte externa do piso da passarela Joaquim Macedo, sobre o Rio Acre, no centro de Rio Branco.
Acompanhado da jornalista fluminense Flavia Milhorance, nos entreolhamos automaticamente. O jovem calçava tênis, vestia moletom cinza e camisa de manga cor-de-rosa.
Quando nos aproximamos, ele explicou que estava ali apenas para contemplar a água e os paus que a correnteza arrastava, que não pretendia pular.
Ele aceitou meu convite para tomar sorvete, saltou o guarda-corpo e nos acompanhou. Perguntou se eu era do Bope. Eu disse quem sim, mas que já estava aposentado e que meu hobby é fotografar.
Eu estava com apenas R$ 5,00 na carteira, mas a atendente da sorveteria aceitou a nota por dois picolés entregues ao jovem.
De fala mansa, muito tranquilo, sem o menor sinal de ser usuário de qualquer tipo de droga, ele contou que nasceu no Rio de Janeiro e morava perto do Morro do Alemão.
Uma tia veio para o Acre, convidou a mãe e ele veio com a avó para fazer companhia. A tia decidiu voltar para o Rio, mas a avó decidiu ficar no Acre. E ele decidiu ficar com ela para fazer companhia.
– Antes da pandemia, eu conseguia vender alguma coisa na rua. Agora ninguém quer comprar nada. Eu saio todos os dias de casa para procurar emprego e nada. Aí eu venho pra cá, pra olhar ficar olhando as pessoas, as águas, os troncos descendo no rio.
Ele negou quando perguntei se já havia sido contaminado pelo coronavírus. Insisti: e por que não usa máscara?
–Porque não tenho dinheiro para comprar.
Como daria carona a Flavia até o hotel, pedi ao jovem para nos acompanhar porque estava com uma caixa de máscaras dentro do carro.
Antes de chegar ao carro, encontrei o amigo Badate, dono do maior armarinho do Acre, que estava sendo fechado. Apresentei o jovem, resumi a história, e Badate mandou que um funcionário trouxesse uma caixa de máscara de tripla camada, que custa R$ 55,00.
Pedi que o jovem passasse a usar uma, mas Badate ponderou que antes de pegar nas máscaras as mãos teriam que ser higienizadas, abriu o carro e espargiu álcool.
O jovem vestiu a máscara e percebemos o sorriso nos olhos dele ao agradecer e ir embora.
Fiz esse textão todo para lembrar que, num passado não muito distante, o sucesso da campanha contra o HIV, contra a aids, também passou pela distribuição em massa de camisinhas ou preservativos nos postos de saúde e nas grandes festas nacionais, como o Carnaval.
É preciso ser sensível à vida das pessoas e entender que nem todo mundo tem acesso à compra de uma caixa de máscara hospitalar ou cirúrgica descartável por R$ 50,00 ou até mais de R$ 100,00.
A população precisa de acesso facilitado e isso praticamente não custaria nada ao governo. Certamente, caso haja uma engrenagem de distribuição de máscara contra a covid, as pessoas vão aceitar e vão adotar.
Estamos em guerra contra a covid e em guerra é assim que se age. É algo tão simples que muita gente nem se dá conta de que pode ser muito eficaz para derrotar o atual inimigo da humanidade.
Altino Machado é diretor na Fundação de Cultura Elias Mansour