Já passou pela sua cabeça a imagem de uma policial penal massageando as costas de uma presa? Quando se fala em sistema penitenciário, o nosso imaginário nos leva sempre a um ambiente hostil, onde o lado humano dá lugar à rigidez. Mas isso é exatamente o oposto do que a policial penal Risoleta Miranda Cardoso expressa em seu e-book As Crônicas das Chaves, lançado recentemente e que retrata a rotina das profissionais de segurança prisional.
O livro está disponível na Amazon, por meio do link https://www.amazon.com.br/dp/B09FSSYXQ5 e pode ser lido em qualquer equipamento de leitura como tablet, celular e computador.
Com doses de bom humor e um olhar humano, a autora leva o leitor a viajar em histórias reais de um sistema muitas vezes não visto com bons olhos pela sociedade. As crônicas escritas por ela são narradas em primeira pessoa e retratam a formação das então agentes penitenciárias, em 2008, a adaptação ao serviço penal e a rotina de trabalho.
Sobre a massagem, trata-se de parte de uma crônica sobre o momento em que a autora teve que lidar com uma detenta em trabalho de parto e tentou aliviar as dores da gestante. “Chegamos no lugar onde é o parto, o quarto é tipo um apartamentinho, bonito até, então eu visto a presa, faço massagem nas costas dela porque eu já não estava aguentando mais ver aquela mulher gritando, ajudo ela a sentar em um cavalete para ficar se balançando pra ajudar no parto”, escreveu a autora no texto intitulado Vida.
A leitora Sarah Bardalles, que afirma ter lido o livro em três horas, destaca que a obra é didática e de fácil compreensão. “Em cada uma das crônicas, o leitor vai conseguir perceber a evolução profissional e pessoal de quem está escrevendo. A vivência no grupo de trabalho dela e as histórias que foram vividas dentro daquele complexo trazem desde boas risadas até uma reflexão de como é trabalhar e conviver com as mulheres em um ambiente que a sociedade geralmente não tem ideia de como funciona”, afirma.
Sobre o processo de escrita, Risoleta explica que começou a rascunhar as crônicas em 2018, baseada nos momentos de fim de plantão, em que as policiais se reúnem para conversar sobre o dia de serviço. “Eu fui vendo que nós estávamos criando memórias, uma história que tinha vários episódios, alguns eu participei e outros não. E eram histórias interessantes, que era bom abrir para o mundo”, relata.
Já em relação ao formato escolhido, a autora ressaltou que se as histórias fossem contadas exatamente como aconteceram, talvez não teriam graça e que, assim, resolveu pegá-las como base e criar crônicas para que o grande público possa entender melhor, de forma lúdica e empática, o trabalho das carcereiras.
Ela destaca que, diferentemente de outras obras sobre o ambiente prisional, o narrador de As Crônicas das Chaves é o carcereiro, não o preso.
As chaves
Risoleta ressalta que as chaves sempre estão nas mãos dos policiais penais. Para onde quer que andem e em todos os atos, seja em um bom dia, no anúncio de um alvará, as chaves sempre estão lá, sob o controle delas. “As chaves estão vendo tudo. Elas veem muito pouco o lado das presas. Elas veem o nosso lado”, disse.
Assim, a ideia da escritora é mostrar que as policiais são pessoas comuns, seres humanos com emoções e que passam por grandes momentos, em que o que afeta aquela que está presa também as afeta.
Empatia
Não só por uma questão de segurança, mas também por uma questão de empatia, as mulheres carcereiras – e não homens – trabalham com as mulheres presas. De acordo com a autora, é possível compreender quando uma mulher está com TPM, quando está com cólica, quando uma grávida está com dor. “Nós entendemos quando uma presa sente a saudade de um filho. Quando ela vai ver o filho pela primeira vez depois de muito tempo e começa a chorar nós choramos também, mesmo com a carapaça da segurança. O nosso coração é humano também”, frisa.
Superação
Durante a entrevista concedida à Agência de Notícias, a policial penal recorda que, quando fez o concurso para ingresso no Instituto de Administração Penitenciária do Acre (Iapen/AC), cursava o terceiro período de Direito. Também estava desempregada e passava por algumas necessidades, contando com a ajuda da madrinha.
Mesmo diante das dificuldades, Risoleta sempre contou com o incentivo da mãe e da madrinha, que acreditavam no seu dom da escrita. “Sentar e escrever, me comunicar escrevendo sempre foi muito fácil. Eu prefiro escrever do que olhar nos olhos dos outros e falar”, afirma a autora.
Diante da rotina de trabalho e das escalas nos anos iniciais, Risoleta passou por processo depressivo e se distanciou dos estudos. Não entendia o que estava acontecendo, mas contou com o apoio das colegas de trabalho. “Em 13 anos não tem como não firmar um elo mais forte. Você vê o filho da colega nascer e hoje lhe chamar de tia. Às vezes, você pode ficar com o filho de uma colega para ajudar em alguma coisa”, complementa.
No ano em que começou a escrever As Crônicas das Chaves, a autora enfrentou um problema ainda maior. Um câncer foi o responsável por mais uma vez a tirar a paz. Como narrado por ela, foram as companheiras de trabalho que a alertaram sobre a situação. “Como a gente fica naquela rotina, elas perceberam que eu não estava bem”, disse.
Risoleta descobriu a doença em fase avançada, mas lutou firme e contou com o apoio e a mobilização não só das policiais da unidade onde trabalha, mas também de outras unidades e de profissionais de outras esferas da Segurança Pública estadual. Foi nesse momento em que ela diz ter percebido que as pessoas do trabalho deixaram de ser apenas pessoas do trabalho e passaram a ser ajudadoras e parceiras.
“Quando o processo do câncer começou, fiz o tratamento e a cirurgia e tive que começar a usar a bolsa de colostomia permanente. Começou um novo processo de autorreconhecimento, passei por outro processo depressivo, pois um dia você está inteira e no outro dia você vê uma coisa acontecendo totalmente diferente, que a sociedade não está preparada para isso”, afirmou.
Risoleta afirma que todo o processo, que envolveu também a perda da mãe, foi doloroso, mas que conseguiu superar.
Reconhecimento
Como forma de reconhecimento pela relevância do trabalho desenvolvido e também pelo protagonismo da servidora, o presidente do Iapen, Arlenison Cunha, a recebeu em seu gabinete na manhã desta quarta-feira, 22, e entregou uma Menção Honrosa, momento em que também destacou a importância do livro como instrumento de divulgação do serviço dos profissionais.
“Eu vejo como uma oportunidade gigantesca, um instrumento, uma ferramenta para trazer a relevância da nossa atuação para a sociedade e para aqueles que estão ali cumprindo pena privativa de liberdade. O policial penal é a garantia do cumprimento da Lei de Execução Penal. Quando eu falo isso não é só pela segurança e questão de vigilância, vai muito além. Essa homenagem é singela, mas é de coração e representa o sentimento de vários servidores do Iapen e demonstra que a Risoleta inspira pessoas”, disse.