À memória de Francisco Gregório Filho (30.03.1949-12.11.2022)
Será um personagem? Ancião? Duende? Homem? Mago? Ou criança?
Que criatura é essa, Francisco Gregório, eu gosto de me perguntar. E quanto mais me respondo, menos compreendo. E mais me divirto.
Porque ele simplesmente não cabe em nenhuma das minhas caixinhas. O que, contraposto à curiosidade, apura em meu imaginário um estimulante caldo de ideias e luzes, sentimentos, cores e possibilidades.
Quantas faces tem essa alma, dimensão em que realidade e fantasia se entrelaçam, conversam e fluem naturalmente, basta constatar na profundidade de seu olhar de ente que sabe onde está pisando. Ou flutuando. Ao tempo em que comunica, com suas cintilantes piscadinhas cênicas: tudo é uma brincadeira.
Contador de histórias singular, narra com ritmo e melodia muito particulares, como que confortavelmente sentado em um braço de estrela daquelas que os pequenos desenham. Tem a ousadia de dispensar contos com começo-meio-e-fim. Porque escolhe e anima recortes da realidade que pairam acima do tempo, como parecem anunciar as pipas que compõem seu repertório iconográfico.
Escreve. Acho maravilhoso seu título “Lembranças amorosas” – uma coletânea de textos deliciosos da qual guardo um exemplar, autografado numa noite fria de encontro literário em Curitiba. Naquelas páginas, de posse de suas memórias, a partir de duas palavras macias fala do afeto, da família, da natureza, de tudo o que é bom e de que a gente precisa tanto, inclusive para construir o presente.
O volume está em minha cabeceira e gosto de folhear antes de dormir, para que me permeie o sono de carinhos de mãe, canções e vozes aquecidas, bênçãos de avô, cheiros de comida boa e beijos de namorado.
Em tais fazeres cheios de paixão, de vida e de reflexão, Francisco declara seu amor às letras e aos ofícios dela filhos. Mas não entrega pronto. Deixa o interlocutor com a tarefa intransferível: digerir.
Distante do seu Acre natal, mora no Rio e viaja pelo país, contando e encantando. O povo fica todo bobo com esse filho da floresta. Porque só a floresta é capaz de produzir um ser simples assim, complexo assim.
Mas quem sou eu para estar aqui analisando uma pessoa tão rara? Uma apreciadora das suas artes de menino grande. E, com sorte, sua amiga.
Onides Bonaccorsi Queiroz é jornalista, escritora e contadora de histórias