Por Milton Chamarelli Filho*
Hoje milhares de candidatos e candidatas concorrem a uma vaga nas universidades públicas. Junto à prova Linguagem, códigos e suas tecnologias, terão que fazer uma redação dissertativa de no mínimo sete e, no máximo, trinta linhas. Com a mudança do ensino de língua portuguesa a partir das contribuições da linguística e da linguística textual, passou a se valorizar mais o texto, e não questões mais pontuais como acentuação e ortografia, o que é
justo.
Se bem contempladas as cinco competências colocadas pelo MEC, os pretendentes podem atingir os mil pontos, nota máxima. Falarei de um tema não específico à redação no Enem, e não a redação do Enem, o que é diferente, porque a inserção de uma preposição muda o sentido do título e também porque em tempos de fake news o mote deste texto poderia ser mote para a desinformação.
A forma atual a que a redação chegou, com todos os critérios que foram sendo aperfeiçoados pelas gestões do MEC, é uma das formas de se avaliar textos, não a única. Talvez ainda seja a melhor, friso, mas com ela o ensino de língua portuguesa no ensino médio passou a estar voltado somente para redação dissertativa, como aquele único gênero que só existe na escola.
Mas por que a redação passou a ser tão valorizada? Porque, dependendo da área para a qual se concorre, ela pode ter um peso e maior, e por fazer parte do cômputo geral, com as notas de outras áreas somadas, pode elevar bastante a média final daqueles e daquelas que almejam um lugar na academia. A questão é que a inventividade que uma redação poderia mostrar se torna uma possibilidade deixada para trás. Sei que o aqui os defensores do sistema atual poderiam fazer objeções, mas o fato é que…
Os alunos chegam à graduação hoje como fazedores de redação. Entre um sem número de gêneros textuais; valorizou-se um gênero em detrimento dos demais. Sim, precisamos de um padrão de parâmetros para avaliar e comparar. Mas existe uma perspectiva que não está explícita nas competências descritas pelo MEC: a criatividade.
Criatividade no texto é dar uma sentença em versos, como fez o juiz de Senhor do Bonfim (BA) sobre o caso de uma sanfona apreendida, é fazer uma publicidade mostrando conceitos de “moradia”, “infância”, “dignidade”, dentre outros elementos que são colocados como textos que encabeçam lápides ou notas de pesar (propaganda da Casa da Criação), é criar uma publicidade a partir da inocência textual. Há poucos exemplos, mas por serem poucos é que percebemos quão marginais são. Como na redação do Enem, aqui vai a minha “proposta de intervenção”.
O aluno deve ser avaliado não apenas por um texto (isso também traz uma apreensão para o candidato, porque é tudo ou nada). Não deve ser avaliado em um ano, mas em três. Em tipos e gêneros textuais variados, com essa possibilidade não só de escrever “bem” ou “certo”, mas de ser criativo. Talvez assim ele possa mostrar que “está apto aos desafios mundo contemporâneo”. Não é isso que diz o bom e velho clichê?
Sigamos!
*Milton Chamarelli Filho é professor titular da Universidade Federal do Acre (Ufac) e doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Confira aqui o caso do juiz da Bahia que proferiu a sentença em versos.