Enquanto a zona urbana de Xapuri, um dos palcos da luta rural do Acre, volta da difícil conversa com o Rio Acre, que desde 20 de fevereiro começou a subir mais de 18 metros, superando a marca histórica de 15,57 metros, seus agricultores batalham para se reerguer, juntar as mudas, adquirir novos animais e recriar a abundância de semanas atrás.
Subindo o Rio Xapuri, afluente do Rio Acre, na Comunidade Floresta, fincando os dedos barranco acima, que se desfaz depois da vazante das águas, é possível chegar a uma das mais de cem famílias afetadas pela enchente nesse corpo d’água. O casal João Roque do Nascimento, conhecido como Riba, e Maria de Lima relata as dores de ver a natureza levar o trabalho e o sustento da família rio abaixo, uma natureza alterada, que não reconheciam.
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Agora é tentar reconstruir. Começar da estaca zero, de novo”
Riba
“Eu vou fazer 58 anos depois de amanhã, se Deus quiser, e todos esses anos vivi aqui. Eu não acreditava nem sei explicar isso, porque não era tanta chuva, não era chuva de assombrar não. Já vi chuva muito mais grossa que isso e não encheu o rio do jeito que encheu”, diz Riba, sentado ao lado da companheira, olhando as estacas da pequena horta caídas ao chão.
O casal tira o sustento da produção de hortaliças cultivadas com muito zelo e vendidas na feira da cidade, sempre às segundas-feiras. No domingo, 22 de fevereiro, pela manhã, retiraram, como de costume, as cebolinhas, pimentas e couves, para a venda no dia seguinte.
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Além da horta, perdemos também três hectares de milho. Não ficou nada, só tem a lama lá, que está dando no meio das pernas. Não sobrou nem uma espiga de milho, nem um pé de capim”
Riba
Na tarde, não acreditavam no que viam: a água já havia coberto a horta no meio do barranco, alcançando a cintura de quem se atrevia a salvar alguma coisa. Durante a noite, um dos filhos se arriscava, mergulhando entre as estacas cheias de pregos, soltas pela força da correnteza, para desafogar o que podiam.
Durante conversa com Mamed Dankar, diretor-presidente do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf) – uma das equipes do governo do Estado que faz o levantamento do impacto da cheia na zona rural do Acre e traça planos para recuperação -, Maria contabiliza a renda que tirava a cada semana: “Eu apurava tudo daquela horta. Só o que sobrou foi o pé de urucum, com o que produzo o colorau a um real o saquinho”.
Apesar dos seguidos dias nublados, dos hectares de milho, hortaliças e animais perdidos, o sorriso dos trabalhadores da terra não cessa, e o sentimento é um só: recomeçar. “Quero recomeçar logo. É o que a gente sabe fazer. A ruma de cebolinha que o menino conseguiu pegar de mergulho já plantamos de novo lá no roçado. Tudo que a gente leva para a feira vende bem”, diz Maria, com orgulho de sua perseverança, mostrando o colorau e os molhos de pimenta que ainda restam.