Há textos sofríveis, há textos corretos, há textos brilhantes e, entre essas categorias, uma gama de graduações. Mas de que depende a qualidade dos escritos?
Saber escrever não é um atributo mágico. Dom existe, é a facilidade para perceber como funciona o mecanismo sobre o qual se está debruçado. Mas todo fazer tem técnica e exige treinamento. No decorrer desse estudo, vale examinar alguns fatores determinantes para o resultado satisfatório do trabalho.
A começar, o domínio da linguagem. A linguagem é a ferramenta do comunicar. Precisa ser explorada e conhecida, e aí será manejada com competência. Quem deseja escrever bem, sobretudo profissionalmente, tem que mastigar diária e macrobioticamente a gramática e a ortografia.
Sem conhecer a função sintática das palavras e locuções dentro de uma frase, é difícil redigir com clareza, e o texto resultará truncado ou inconsistente. Sem identificar sujeito, predicado e objeto, não se aprende a utilizar a vírgula, nem a fazer concordâncias sensatas. Sem conhecer regência verbal e classes gramaticais, não se pode saber se ocorre crase. Tudo isso e muito mais constrói o sentido coerente do conteúdo que se comunica.
Afinal, também dentro do universo textual, as ideias são alinhavadas com o fio da lógica. Sem acatar esse princípio, qualquer boa ideia fica comprometida. Sem carregar essa virtude, qualquer escrito pode se tornar um engodo e incorre em desrespeito com o leitor, que está entregando o que tem de mais valioso: sua atenção e seu tempo. A contrapartida do redator é esforçar-se para garantir que esse indivíduo se sinta recompensado.
Ao longo do aprendizado, há que se prever que, gradativamente, as provas irão se tornando mais complexas. Porque linguagem é jogo, e, a exemplo de muitos deles, quanto mais se avança, mais elevado será seu nível de dificuldade.
Vale lembrar que um bom jogador acolhe os desafios, trabalha para vencê-los e se sente gratificado, pois sabe que da superação extrai trunfos – um texto de padrão superior, por exemplo. Sabe também que o jogo não acaba, que sempre há um conhecimento para ser conquistado e isso o instiga.
Resumindo: o intento é dominar a técnica e colocá-la ao próprio dispor, para se dizer o que se quer. A aquisição dessa capacidade gera genuína sensação de poder, autoconfiança e faz o redigir fluir com segurança.
Conhecer outros idiomas auxilia no processo. Especialmente se pertencerem a famílias linguísticas distintas. Cada língua tem um pulso e um arcabouço. Por serem diferentemente estruturadas, induzem a cognição a trilhar vias não convencionais e esse processo torna a mente mais vasta e flexível.
Exercitar a leitura é um segundo ponto fundamental. Será muito difícil ter prazer em manejar a linguagem se a pessoa não gosta de ler. É uma atividade que amplia horizontes e povoa a mente de possibilidades didáticas, vocabulares e imaginativas. Não bastasse, ler provoca vontade de escrever.
É bom que se leia textos de gêneros literários diversos. Cada um tem específicos objetivos e linguagens: crônicas, contos, artigos, poesias, reportagens, romances, cartas e até bulas de remédio, que os amantes das letras não enjeitam nada.
Ainda, que não se deixe de registrar o linguajar das ruas, nem de se reparar nos sotaques e na musicalidade das falas, o que também é uma forma de leitura, e das mais curiosas. Afinal, a linguagem é espelho da cultura.
Obviamente, é indispensável praticar a escrita, e esse é o terceiro ponto. Escrever é o exercício que se faz para ouvir o som do seu instrumento-texto.
É o momento em que se identifica em que pontos o fazer desliza ou emperra, e é quando se verifica o que se sente enquanto escreve, tanto pelo teor do texto quanto pelo exercício em si. Como todos os fazeres, é um dado de nosso relacionamento com a vida, e pode ser altamente eloquente, expressivo e terapêutico.
Com a produção esboçada, é conveniente ler e reler. Ler em voz alta, ou com os dedos nos ouvidos, atentando para o ritmo do que foi escrito.
Ah, se possível, que se deixe o texto “dormir”, o que significa largá-lo, abandoná-lo, esquecer-se dele por algumas horas, ou dias.
O certo é que, após uma noite de sono, ficamos renovados e nossa compreensão se modifica. No “dia seguinte”, com incrível facilidade, conseguimos esculpir o texto de forma mais apurada, fazendo as podas corretas e introduzindo o que lhe falta. Encontrando as palavras que nos escapavam e as ideias que concluem ou preenchem um raciocínio.
Já o quarto e último elemento fundamental na construção de um texto interessante são as boas ideias. E boas ideias só se tem refletindo, isto é, pensando ou meditando. A reflexão é o estofo do redigir.
Então é preciso estar alerta ao entorno, seja a casa, a sociedade, o planeta e o espaço sideral. E também conectado com o senso de interioridade e de existencialidade. Há uma profusão de informações nesses campos,a serem analisadas, cruzadas, relativizadas.
Daí surgem pensamentos estimulantes, inquietantes ou esclarecedores, que podem dar origem a textos originais e atraentes, que, afinal, é o que o redator qualificado busca.
Por fim, nada como poder se deleitar com uma produção textual inteligente e caprichosamente lavrada. O freguês agradece.
Onides Bonaccorsi Queiroz é jornalista, escritora e contadora de histórias