A criação do Acre Estado, em 15 de junho de 1962, foi um divisor de águas na história desse povo que desde Galvez – responsável pela proclamação do Estado Independente do Acre, em 14 de junho de 1889 – luta para ter direito a crescer neste pedaço de terra fincado na Amazônia. E por que essa conquista é tão comemorada? Por qual razão seu povo alimentou esse sonho durante décadas, após o Acre ser reconhecido como território brasileiro? Para entender essas questões é necessário mergulhar na história.
Um território de explorações
{xtypo_quote}O Movimento Autonomista começou imediatamente com a criação do Território do Acre.
Marcos Vinícius, historiador{/xtypo_quote}
A história do Acre Território – o primeiro de outros que seriam criados pelo governo brasileiro – começa logo após o fim da Revolução Acreana, em 1903. O status de Território representou, além da criação dos Departamentos do Alto Acre, Alto Purus e Alto Juruá, a submissão econômica e política do Acre à União. Todo o dinheiro da extração da borracha ia para o governo federal. Os acreanos não elegiam seus governantes e os impostos coletados aqui, gerados pelo auge do ciclo da borracha, não eram investidos na região.
“O Movimento Autonomista começou imediatamente com a criação do Território do Acre. O próprio assassinato do Plácido de Castro foi um resultado dessa disputa”, conta o historiador Marcos Vinícius. Novamente, as insatisfações geradas contra a União fizeram com que os acreanos se revoltassem, dando início a insurreições. A primeira delas ficou conhecida como ‘A Revolta dos 100 Dias’, em 1910, quando comerciantes de Cruzeiro do Sul depuseram o prefeito do Departamento do Juruá.
Foi necessária a intervenção do Exército para que a situação em Cruzeiro do Sul fosse tranquilizada. Osmir Lima, que nasceu no Juruá e participou do Movimento Autonomista na juventude, conta: “O Acre era dividido em três departamentos independentes e autônomos, todos administrados por pessoas indicadas pelo governo federal, o que gerou uma insatisfação no Juruá pelo fato de os prefeitos nunca serem nativos, mas amigos ou desafetos do presidente da República, pessoas que vinham para o Acre, acompanhadas de suas próprias comitivas, para a ocupação de cargos públicos”.
A União não deixou barato a insurreição de Cruzeiro do Sul. Em 1912, como castigo, desmembrou o Departamento do Juruá e criou o Departamento de Tarauacá, diminuindo a autonomia e poder da região. Porém, a ‘Revolta dos 100 Dias’ foi inspiradora, e ainda em 1912 ocorreram a ‘Revolta de Sena Madureira’, movimento enfrentado pelo governo federal com um bombardeio da Marinha na cidade, e em 1918, a ‘Revolta de Rio Branco’, que colocava em xeque um conflito entre o Primeiro Distrito e o Segundo Distrito.
Mas o golpe maior na economia ainda estava por vir, com o fim do primeiro ciclo da borracha, em 1913. Nessa época, o Movimento Autonomista perde sua força – afinal, vale a pena criar um Estado se não há riqueza?
“Em 1920 acontece a unificação dos quatro departamentos. Sem a riqueza da borracha, fica claro que um governo sai mais barato que quatro. E de 1920 a 1930 temos crise total. O Acre sobreviveu não sei por quê”, diz Marcos Vinícius.
Surge Guiomard Santos
Em 1946, o Território do Acre recebe seu novo governador, o experiente militar José Guiomard dos Santos. Sua escolha pelo governo federal não foi à toa – a experiência desenvolvida por ele no Território de Ponta Porã, hoje Mato Grosso do Sul, foi importante para o governo federal, e ele foi enviado para o Acre com um único objetivo: dar jeito na situação caótica que havia aqui.
Seu governo durou até 1950 e foi considerado um marco. Tendo como lemas “Trabalho e Honestidade” e “Creio no Acre e nos Acreanos”, ele criou grandes avanços no Território do Acre, promovendo transformações de ordem econômica, social e cultural. Foi também o primeiro governador a fazer Reforma Agrária no Brasil, começando pelo Acre. Para impulsionar a economia, trazia até mesmo bois de avião. Após seu governo, Guiomard aproveitou a Constituição de 1934, que dava ao Acre o direito de escolher dois deputados federais, e foi eleito nos anos de 1950, 1954 e 1958.
Após seu governo, na campanha eleitoral para o primeiro mandato federal, ele manifestou o desejo de transformar o Acre em Estado. E em 1954, quando exercia o segundo mandato, apresentou o projeto e saiu nas cidades e vilas, participando de comícios e reuniões, esclarecendo a população sobre a ideia.
“Existiram vários movimentos autonomistas, não só o de Guimard dos Santos. O ideal é falar no plural”, conta o historiador da Universidade Federal do Acre (Ufac) Francisco Bento. Mas é só a partir desse momento que a elevação do Acre a Estado toma uma grande proporção política.
Nasce o Acre Estado
A agremiação política que havia começado a partir do momento em que Acre ganhara o direito de escolher seus deputados federais tomou novo rumo quando, em 1954, Guiomard dos Santos começa a escrever o projeto do Acre Estado. “Na primeira versão do projeto de autonomia, por exemplo, ele esqueceu de falar da transferência dos bens públicos da União para o novo Estado. O projeto foi sofrendo muitas alterações. Meu avô não foi o único responsável pelo Movimento Autonomista. Ele tinha muitos apoiadores”, explica Lauro da Veiga Santos, neto de Guiomard dos Santos.
Começou então uma guerra política interna no Acre. De um lado, Guiomard dos Santos, pelo PSD, defendendo a autonomia do Acre, e do outro, Oscar Passos, pelo PTB – este último, diante da crise econômica da época, acreditava que transformar o Acre em Estado apenas aumentaria a miséria na região. Guiomard dos Santos acabou montando a Comissão Pró-Autonomia em todos os sete municípios do Acre na época, e iniciou um movimento para explicar à população, principalmente através de alto-falantes, por que o Acre deveria ser Estado.
“Eu era locutor dos serviços de alto-falante em Cruzeiro do Sul, ao lado de Benjamin Ruela. Começávamos às 8 horas da manhã e terminávamos a transmissão do dia apenas com a oração da Ave-Maria, às 6 horas da tarde. Era um combate de ideias, não de pessoas. Eu não fiz inimigos. A oposição dizia que o Acre ia se acabar, e nós falávamos das vantagens de planejar o nosso desenvolvimento e escolher nossos governantes. Eu fazia entrevistas, lia os discursos, além dos comícios. Montamos serviços de barco para chegar aos ribeirinhos, espalhar o sentimento do desejo pela autonomia. Era um movimento forte, mas precisava ter a opinião pública do nosso lado para isso”, lembra Osmir Lima, que aos 17 anos participou ativamente do Movimento Autonomista.
O projeto de mudança, porém, foi aprovado pelo Congresso Nacional somente em 1961. E no dia 15 de junho de 1962, o presidente da República, João Goulart, e o então primeiro-ministro, Tancredo Neves, assinaram a sanção que transformou o Acre em Estado da República Federativa do Brasil.
Falando sobre a data histórica, que contou com a participação do então deputado federal Oscar Passos, contrário à aprovação do Acre Estado, Lauro Santos revela: “Tancredo Neves era muito amigo do meu avô, porque eles eram mineiros, e por isso ele ajudou muito o Movimento Autonomista e incentivou que o Acre se tornasse Estado”.
Com a passagem do Acre de Território para Estado, a primeira medida foi convocar o povo para sua primeira eleição direta. Era hora de escolher o primeiro governador e o primeiro senador do Acre.
As surpresas do primeiro governo
{xtypo_quote}Ele era um homem muito dinâmico. Sempre foi um líder. Ele achava que um acreano deveria ser eleito para o governo, muita gente não queria, mas o movimento estudantil deu força. Foi uma empolgação.
Maria Lucia de Araújo, mulher de José Augusto{/xtypo_quote}
As primeiras eleições do Acre foram históricas e representavam bem o comportamento do povo acreano, que sempre foi interessado pela movimentação política do Estado. Na campanha para governador, estavam Guiomard dos Santos e José Augusto, jovem professor de filosofia, nascido em Cruzeiro do Sul e pertencente ao PTB, partido que fizera oposição à autonomia do Estado.
“Para todos nós, era o Guiomard quem ia ganhar. Foi uma eleição surpreendente e o Acre veio se fortalecer ainda mais como Estado”, diz Abrahim Farhat, o popular militante político conhecido por “Lhé”, ao lembrar que José Augusto virou o jogo das eleições e se tornou o primeiro governador do Acre. Seu lema era “O Acre é Para os Acreanos”.
Mesmo assim, Guiomard dos Santos não amargou a derrota – na época, era possível aos políticos se candidatarem em duas vagas diferentes. Como Guiomard também se candidatou a senador, foi eleito para o cargo e voltou para o Rio de Janeiro como o primeiro senador do Acre.
“Minha avó não queria que ele ganhasse as eleições para governo. Fez até uma promessa: doar 200 cobertores a uma instituição carente se ele ganhasse como senador e voltasse para o Rio de Janeiro. E cumpriu”, lembra Lauro Santos.
José Augusto
A trajetória de José Augusto, embora mais modesta, foi também marcante. Ele se mudou para o Rio de Janeiro para terminar seus estudos e acabou conhecendo Maria Lucia de Araújo, casando-se com ela em 1957 e ganhando a eleição para deputado federal no Acre em 1958. “Ele era um homem muito dinâmico. Sempre foi um líder. Ele achava que um acreano deveria ser eleito para o governo, muita gente não queria, mas o movimento estudantil deu força. A campanha dele deslanchou, ele fazia ótimos discursos, todo mundo falava dele. Foi uma empolgação”, revela a viúva do primeiro governador do Acre.
O governo de José Augusto foi cercado de grandes feitos e ideias. “Ele fez muito em dois anos: usou o método Paulo Freire, ele dava consciência aos trabalhadores. Fez reforma agrária. Foi um governo que mudou o estilo de política acreana. Ele ajudou a criar uma elite moderna que entrava de cabeça na política”, avalia “Lhé”.
Mas a democracia no Acre teve dias curtos. Em 1964, o golpe militar toma conta do Brasil, e no Acre, o militar Edgar Cerqueira cerca o Palácio de Rio Branco, obriga José Augusto a renunciar, assume o governo e faz com que a Assembleia Legislativa reconheça-o como governador do Acre por dois anos. “Os políticos contra José Augusto se aliaram a Cerqueira, que não conhecia o Acre, era um recém-chegado e foi muito influenciado. José Augusto já estava doente do coração, assumiu sua renúncia para que tudo fosse pacífico e em menos de 24 horas saímos do Acre de volta para o Rio de Janeiro. Só depois é que o ditador Castelo Branco veio tomar noção das coisas que estavam acontecendo no Acre”, diz Maria de Araújo.
Para José Augusto e a esposa, momentos ainda mais difíceis viriam. O ex-governador foi cassado, teve mandado de prisão decretado e foi obrigado a passar um tempo escondido. Tinha que ir com frequência para a Auditoria Militar, em Belém (PA), e nesse meio tempo piorou do coração, tendo quatro infartos. Morreu em 1971, antes de completar 41 anos.
A luta dos povos da floresta
{xtypo_quote}Tudo acontecia abafado. As pessoas não sabiam dos crimes, das expulsões. Foi um período muito difícil. O próprio governo investia na vinda desses empresários. Compravam os seringais e montavam essas grandes fazendas.
Elson Martins, jornalista{/xtypo_quote}
Após dois anos de democracia, o Acre se viu mergulhado, assim como o restante do país, no regime militar. Foram 20 anos sob a ditadura, sem a possibilidade de escolher seus governantes. Ainda assim, todos os governantes foram acreanos, mas pertencentes ao partido do governo ditador, a Aliança Renovadora Nacional (Arena). Foi um período difícil, de grave crise econômica e social. “Depois da transformação em Estado, o Acre foi muito largado pela União. Só no governo Sarney, a estrada que liga o Acre ao Brasil foi concluída. Não se criou projeto nenhum para o Acre. Era o filho rejeitado pela pátria. Hoje é completamente diferente. Mas muita gente não sabia o que era dinheiro. Era um sistema primitivo de venda, troca, era escambo mesmo”, lembra Osmir Lima.
Foi somente na década de 60 que se iniciou o segundo ciclo de esforços para acelerar o progresso da área amazônica com a criação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), em 1966. A tentativa agora era de entrosar os subsetores regionais dentro do próprio Estado, concorrendo para isso os ramais da Transamazônica, que ligaram Rio Branco e Brasileia, no alto curso do Acre, e Cruzeiro do Sul, às margens do Juruá, cortando os vales do Purus e do Tarauacá. Incrementou-se a política de planejamento, destinada a corrigir as distorções demográficas, econômicas e políticas da integração nacional.
Museu dos Autonomistas no centro de Rio Branco |
“É nos anos 70 que vamos começar a ter um maior desenvolvimento econômico, mas ainda assim uma grave crise social”, avalia o historiador Marcos Vinícius, referindo-se ao início da exploração da terra e da floresta de forma não-sustentável.
O jornalista Elson Martins diz que saiu do campo e se mudou para a cidade de Rio Branco em 1950. No mesmo ano ele iniciou um jornalzinho no Colégio Acreano, chamado “O Selecionado”. Foi uma escolha sem volta e nunca mais Elson Martins largaria o jornalismo. Ele saiu do Acre em 1958, lutou contra a ditadura, sendo até mesmo preso pelo regime, e voltou para o Estado apenas em 1975, como correspondente do jornal Estadão (O Estado de S. Paulo), para cobrir os conflitos que estavam ocorrendo na região pela posse da terra. “O Acre sempre acolheu figuras diferentes, como o juiz que mandava prender qualquer pessoa que assobiasse quando ele passava na rua, lá nos anos 50. E por causa disso, todas as meninas assobiavam para ele quando ele passava em frente ao Colégio Barão de Rio Branco. Mas quando eu voltei em 75, não acreditava no tamanho da imigração de sulistas para cá”, revela o jornalista.
Graças a Elson Martins, os conflitos entre os sulistas que queriam explorar as terras acreanas e os povos que viviam e dependiam do extrativismo florestal começaram a ser divulgados em rede nacional. Foi então que, junto com outros amigos, ele fundou o jornal Varadouro, em maio de 1977, reconhecido nacionalmente até hoje como importante órgão de jornalismo alternativo. O jornal nasceu com um único objetivo: apoiar as causas ambientais e trazer a verdade dos fatos de que a população urbana não tinha o mínimo conhecimento. “Tudo acontecia abafado. As pessoas não sabiam dos crimes, das expulsões. Foi um período muito difícil. O próprio governo investia na vinda desses empresários. Compravam os seringais e montavam essas grandes fazendas”, lembra o jornalista.
A ideia propagada era a de que viver da floresta era um atraso. Mas a luta dos povos da floresta criou um capítulo marcante da recente história acreana, luta protagonizada por gente simples, humilde, de baixa escolaridade e que tinha apenas a floresta para tirar o seu sustento e sobreviver. “O Acre poderia ser outro se não tivesse existido essa resistência, dos não-letrados, que partiram para defender o extrativismo, suas vidas. Sem o povo não se faz sustentabilidade. São 100 anos de história com a floresta”, avalia Elson Martins.
Foi nesse momento que surgiu a figura de Chico Mendes, que ainda criança começou seu aprendizado do ofício de seringueiro, acompanhando o pai em excursões pela mata, e só aprendeu a ler aos 19 anos. A luta de Chico Mendes contra a invasão da floresta e expulsão das famílias começou em 1975, através dos “empates”, quando o povo do campo se amarrava nas árvores para que elas não fossem derrubadas. Chico Mendes ajudou o fortalecimento dos sindicatos, a fundar o Partido dos Trabalhadores no Acre e a mostrar a causa ambiental no Estado para o mundo. Mas a luta de Chico Mendes teve um preço alto, e em 22 de dezembro de 1988, o seringueiro foi assassinado. Sua morte não parou seus ideais – pelo contrário, sua causa ganhou mais força, seu nome foi imortalizado e o Acre começou a dar seus primeiros passos rumo ao ideal do desenvolvimento sustentável.
Com o fim do regime militar e a redemocratização do país – as eleições diretas de 1982 -, começa um novo capítulo na história do país e o Acre pôde experimentar de verdade o gosto da democracia.
Uma nova era
{xtypo_quote}Você acha que é em qualquer cidade que as pessoas param para fotografar as praças, os bancos, os prédios públicos? O Acre era ‘infotografável’. O trabalho foi feito com um sentimento humano, de estética, de beleza, de eficiência.
Jorge Viana, senador{/xtypo_quote}
Na volta à democracia, Nabor Júnior foi o segundo governador eleito do Acre, separado por 20 anos do primeiro, seguido por Iolanda Fleming, primeira mulher eleita como governadora no Brasil, Flaviano Melo, Édison Cadaxo, Edmundo Pinto, que foi assassinado com pouco tempo de governo, Romildo Magalhães e Orleir Cameli.
Já no ano de 1998, o Acre entra numa era que dura até hoje – a eleição de Jorge Viana para governador e a instalação de um novo projeto de desenvolvimento. “Os primeiros 60 anos de Acre foram de muita luta, luta que só diminuiu com a autonomia. E depois foram décadas de ditadura, um período muito triste para a história do nosso país. O Acre é um Estado que foi muito penalizado”, conta o ex-governador e hoje senador. “Nos anos 90 parecia que o Acre não tinha mais jeito. O Acre era a terra do ‘já teve’, ou a terra do ‘não vai ter mais’. O Estado estava sem eira nem beira, sem rumo. Nós não fomos distante, toda a base do nosso projeto para o futuro era baseada no passado – nossa vida, nossos guerreiros, nossos heróis. Na base do nosso projeto estava a acreanidade.”
Com a autoestima do povo acreano bastante abalada, o projeto da Frente Popular se focou em fortalecer o espírito do povo acreano, fazer uma profunda mudança na educação e melhorias nos serviços públicos e na paisagem urbana. “Fizemos o Memorial dos Autonomistas, celebramos o Centenário da Revolução Acreana, o Centenário de Galvez, o Centenário de Plácido de Castro. Você acha que é em qualquer cidade que as pessoas param para fotografar as praças, os bancos, os prédios públicos? O Acre era ‘infotografável’. O trabalho foi feito com um sentimento humano, de estética, de beleza, de eficiência”, diz Jorge Viana.
Ainda sobre o Memorial dos Autonomistas, vale lembrar que a bela estrutura que hoje abriga uma exposição permanente sobre o Movimento Autonomista, além de um teatro e uma cafeteria, também é o local onde repousam os restos mortais do próprio Guiomard dos Santos e sua mulher, Lydia Hammes.
Lauro Santos, neto de Guiomard, conta que, na criação do memorial, “um representante foi até o Rio de Janeiro e a negociação foi em tempo recorde. Havia até uma norma na Constituição instaurando que Guiomard dos Santos fosse enterrado no Acre e nós respeitamos esse desejo. Foi um momento muito emocionante para mim, em 2002, quando eu vim ao Acre pela primeira vez. Na cerimônia de inauguração eu conheci muita gente, muitas pessoas vinham falar comigo sobre meu avô. Fomos muito bem recebidos e bem tratados, tanto que em 2005 eu me mudei para o Acre definitivamente”, conta.
O novo momento do Acre também foi marcado pelo desenvolvimento sustentável e a implantação de agendas ambientais. Para Jorge Viana, “somos o Governo da Floresta, da Florestania, do cuidar em vez de administrar. Hoje o Acre é respeitado internacionalmente, respeitado pelo Brasil. Qual é o outro Estado que já tenta implementar a agenda ambiental que está sendo discutida pelo mundo?”. O próprio ativista “Lhé” lembra: “Uma única árvore fez o desenvolvimento do Norte quase todo. O desenvolvimento ainda está na floresta”.
Uma identidade em eterna construção
{xtypo_quote}Eu só espero que o nosso coração possa estar pulsando cheio de ideais, cheio de expectativas, cheio de esperança, na identidade que nós estamos construindo.
Tião Viana, governador{/xtypo_quote}
De tantos em tantos anos, uma geração passa o cetro da corrida da vida para outra. No Acre, isso não é diferente, mas com uma história ainda recente. Mesmo cheias de acontecimentos, as novas gerações têm a vantagem de poder enxergar a sua história convivendo com quem participou dela e ainda vive. E, meio século depois da criação do Acre Estado, a situação já mudou muito. Como disse o governador Tião Viana: “Estamos com o Estado mais próximo do grande centro comercial do planeta, no encontro entre a Ásia e toda a costa americana que nós temos para uma relação no século XXI. Como é estar nisso no meio de um mundo globalizado, que exige um desenvolvimento sustentável, a capacidade de preservar, assegurar governança e desenvolvimento humano? Esse é o nosso desafio”.
O acreano não é um povo só, são várias gerações que receberam a contribuição principalmente dos nordestinos, de todo o Brasil, do Oriente Médio, de partes da Europa, de 2.200 anos de herança indígena. Tudo isso para a construção de uma identidade que perdura ate hoje e que resulta num povo forte. “O que eu sintetizo de mais especial nos 50 anos: o afeto, a maneira de acolher, a facilidade de fazer amizade que tem o povo acreano. Isso é único talvez no Brasil, esse modo de ser e viver, talvez porque nós chegamos aqui, como os nossos antepassados, com uma mala de saudade, sentimento de quem migrava e pensava que voltaria, ou não voltaria, mas teria que afirmar uma identidade. Foi assim que nós nos formamos”, diz o governador.
E o que esperar para os próximos 50 anos? O que está reservado ao Acre? “Eu só espero que o nosso coração possa estar pulsando cheio de ideais, cheio de expectativas, cheio de esperança, na identidade que nós estamos construindo. Tem que estar sempre motivado pela ética, pela fraternidade, por valores que a democracia nos permite e pela capacidade de aprender e exercitar o que é viver num Estado amazônico, um jardim de Deus que é a floresta amazônica. Então somos uma síntese de um povo que tem o amor no coração em viver aqui e aqui ser feliz. Que nós sejamos capazes de celebrar os 50 anos da nossa autonomia construindo os melhores valores para a vida em comunidade”, finaliza Tião Viana.
{xtypo_rounded2}Linha do tempo
1904 – Fim da Revolução Acreana. O Acre é incorparado ao Brasil na condição de Território após a assinatura do Tratado de Petrópolis.
1910 – Revolta dos 100 Dias em Cruzeiro do Sul. Comerciantes depuseram o prefeito. Exército precisou intervir.
1912 – Revolta de Sena Madureira. Marinha bombardeia a cidade.
1912 – O governo federal castiga Cruzeiro do Sul criando o Departamento de Tarauacá, dividindo o Juruá e diminuindo seu poder.
1913 – Acaba-se o primeiro ciclo da borracha. A ideia de criar um Estado enfraquece sem a riqueza gerada pela borracha.
1918 – Revolta de Rio Branco. Primeiro Distrito contra Segundo Distrito.
1920 – Unificação dos quatro departamentos do Acre para que a administração saia mais barata para a União.
1920 a 1930 – Grande crise econômica e social.
1934 – Nova Constituição dá ao Acre o direito de eleger dois deputados federais. Começa o período de organização política local.
1946 a 1950 – Governo de Guiomard Santos.
1946 a 1962 – Estruturação dos grandes partidos. Ascenção de Oscar Passos pelo PTB e de Guiomard dos Santos pelo PSD.
1954 – Guiomard começa a desenvolver o projeto do Acre Estado.
1957 – Guiomard apresenta o projeto para tramitar pelo Congresso.É montada a Comissão Pró-Autonomia, com sede em todos os sete municípios existentes no Acre na época.
1961 – O projeto da criação do Acre Estado é aprovado.
1962 – Sanção do presidente da república, João Goulart, e do primeiro ministro, Tancredo Neves. Imediata convocação das eleições diretas para governo do Acre.
1962 – José Augusto é eleito primeiro governador do Acre.
1964 – O Golpe Militar força José Augusto a renunciar. O militar Edmar Cerqueira assume o governo por dois anos.Foram 20 anos sobre o regime militar sem a possibilidade de escolher seus governantes. Ainda assim, todos os governantes foram acreanos, porém pertencentes ao partido do governo ditador, a Arena.
1982 – Redemocratização e eleições diretas para o governo. Nabor Júnior foi eleito governador pelo povo.
1999 –Começa o governo da Frente Popular, que governa ate hoje o quinto final do Acre Estado.{/xtypo_rounded2}
Os heróis acreanos
Luis Gálvez Rodríguez de Arias: Nasceu em São Fernando, Espanha, em 1864. Foi jornalista, diplomata e aventureiro espanhol que proclamou a República do Acre em 1899. Governou o Acre entre 14 de julho de 1899 e 1 de janeiro de 1900 pela primeira vez, e entre 30 de janeiro e 15 de março de 1900, pela segunda e última vez. O Tratado de Ayacucho, assinado em 1867 entre o Brasil e a Bolívia, reconhecia o Acre como possessão boliviana. Por isso, o Brasil despachou uma expedição militar para prender Galvez, destituir a República do Acre e devolver a região aos domínios da Bolívia.
José Guiomard dos Santos: Nasceu na cidade de Perdigão, Minas Gerais, no dia 23 de março de 1907. Teve formação militar na Escola do Realengo, no Rio de Janeiro. Governou o Território Federal do Acre pelo período de 1946 a 1950. Logo após foi eleito deputado federal pelo PSD. Nesse período elaborou o projeto de lei que elevou o Território do Acre a Estado, sendo eleito senador em seguida.
José Plácido de Castro: Nasceu na cidade de São Gabriel, no Rio Grande do Sul, em 12 de dezembro de 1873. Trazia nas veias o gene de três gerações de militares. Chegou ao Acre em 1899, tentando a sorte como agrimensor (especialista em medir terras). Aos 27 anos liderou a Revolução Acreana contra os bolivianos, com um exército de 30 mil homens, entre seringueiros, índios e ribeirinhos. Em 1908 foi ferido em uma emboscada, vindo a morrer em 11 de agosto de 1908, em decorrência dos ferimentos.
José Augusto de Araújo: Nasceu no dia 3 de julho de 1930, na cidade de Cruzeiro do Sul, Território do Acre. Seu pai, Raimundo Augusto de Araújo, foi prefeito de Feijó. Formou-se no curso de História na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Com o slogan “Acre Para os Acreanos”, foi eleito o primeiro governador no dia 1 de março de 1963. No ano seguinte o Brasil sofreu o Golpe Militar e José Augusto foi forçado a renunciar em 8 de maio de 1964.
Chico Mendes: Francisco Alves Mendes Filho nasceu em Xapuri, em 15 de dezembro de 1944. Foi seringueiro, sindicalista e ativista ambiental defensor dos povos da floresta. Sua atividade política visada à preservação da floresta amazônica lhe deu projeção mundial e fez o mundo voltar os olhos para o Acre. Morreu assassinado em 22 de dezembro de 1988, nas portas dos fundos de sua casa.