Dia desses eu li uma matéria escrita por um site de um partido de esquerda com a qual compactuei em muitos pontos. Na verdade, dos dez artigos que li, concordei com 100% do que estava escrito ali. De tão bom, pensei até em me filiar, sem brincadeiras. Mas aí fui ver a real intenção do tal partido e me deparei com anarquia e, basicamente, a defesa da ideia de que a elite capitalista fosse tirada de qualquer maneira de seu posto, ainda que a violência e até guerra revolucionária fosse feita, numa leitura marxista da realidade feita ao bel prazer de seus criadores.
Independente disso, gostei de vários pontos abordados nesse espectro ideológico, o que ratificou o meu ponto de vista de que, na polarização do mundo atual (direita e esquerda), acredito que o cidadão que seja da “esquerda moderada” esteja o mais próximo possível da verdade universal da compreensão das coisas. O único problema é que essas pessoas não existem ou são dificílimas de encontrar.
Muitos podem até acreditar que estão nesse patamar, mas, na prática, qualquer coisa vinda do “outro lado” soa como uma injúria gritante, uma ofensa indefensável. Quem levemente discorde é fascista e um potencial agressor de seu mundo de fantasias, utópico, baseado na premissa de que ele (a) está do lado certo, da paz, harmonia, tolerância etc, e o coleguinha que não compactua com todas as suas pautas é um ser inferior. Tal qual uma beata que xinga, briga e julga as pessoas por se achar superior pela sua fé e horas de oração diárias, um esquerdista típico se torna, em menor ou maior grau, um inquisidor, alguém que caça defeitos e simula virtudes, sem ao menos olhar para o próprio umbigo.
O Big Brother Brasil deste ano está mostrando isso de maneira clara e transparente, sem rodeios; como os militantes desvairados, que se consideram acima do bem e do mal, são na vida real. São tantos exemplos que eu poderia escrever um livro só disso, mas um dos casos me chamou mais atenção.
Uma das integrantes é negra e psicóloga, e, numa das provas da discórdia, em que os participantes deveriam dar seus pontos de vista, soltou algo como “você é uma mulher fenotipicamente branca”, para cutucar uma falha de uma participante. Não vou nem entrar no mérito da colocação, mas da acusação em si, pois a mesma negra militante contribuiu para o terror psicológico que um dos brothers sofreu por várias pessoas da casa, sendo este negro e de origem humilde. Fora que a psicóloga também fez cara feia ao ver esse mesmo integrante beijando outro homem.
Ou seja, já não basta os julgamentos e cara feia para os brancos/héteros/cis/normativos, sobrou até para um participante que tem características que ela afirma defender. Claro que muitos esquerdistas irão reclamar, dizendo que os participantes do programa são exceção, não representam a causa, mas basta um olhar um pouco mais cuidadoso do “beautiful people” do nosso cotidiano para perceber a discrepância do discurso com a realidade. O mesmo vale para o conservador que apoia a família e se diz contra a corrupção, mas lacra nas redes sociais, tem amantes fixas, comete pequenas ou grandes infrações etc. Os integrantes dos dois lados se acham muito espertos, consomem quase que exclusivamente conteúdos de suas respectivas bolhas ideológicas e ignoram boa parte dos que sejam contrários a isso.
Por isso considero o esquerdista moderado um modelo a ser seguido e valorizado. Ele busca valores primordiais para proteger os direitos dos humanos, animais e natureza, mas sem precisar “lacrar” ou exagerar, ou seja, simular virtudes, colocando-se num pedestal de santidade apenas para ser aceito, ou, pior, por curtidas em redes sociais. Um esquerdista moderado participa de ações sociais mas evita divulgá-las, preocupa-se com o próximo sem querer algo em troca e sua empatia é genuína, sem narcisismo. Também evita julgar o próximo, entende que todos somos humanos e temos falhas e respeita a crença do próximo, seja ela qual for. No campo da política, critica o que acha errado, mas os acertos da outra corrente ideológica são reconhecidos sem rodeios, inclusive também reconhece os erros de seu próprio lado ideológico.
Escrevendo este artigo, acabei me lembrando que existem pessoas realmente assim, e que elas deveriam servir de exemplo para toda uma geração, mas infelizmente não é isso o que acontece. Muitas caem no ostracismo e suas vidas dignas são esquecidas, o que é uma pena. Na sociedade atual, basta parecer ser virtuoso e pouco importa quem o é de fato. O problema é que o virtuoso genuíno não possui ou não quer o dom da promoção pessoal, quer apenas ser, sem a necessidade de parecer. Por isso, quando você encontrar um (a) esquerdista moderado (a), valorize cada segundo de sua companhia. Eles (as) estão em extinção.
Mauro Tavernard é jornalista da Secretaria de Estado de Indústria, Ciência e Tecnologia