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Saúde humanitária chega a comunidades rurais do Acre – Noticias do Acre
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Saúde humanitária chega a comunidades rurais do Acre

Saúde Itinerante visitou os 22 municípios do Acre, incluindo mais de 70 comunidades (Foto: Arison Jardim/Secom)
Saúde Itinerante visitou os 22 municípios do Acre, incluindo mais de 70 comunidades (Foto: Arison Jardim/Secom)

Entre as cidades de Cruzeiro do Sul e Tarauacá, o Complexo de Florestas Estaduais do Rio Gregório engrandece o cenário ao longo da BR-364.

Com populações vivendo a grandes distâncias da rodovia, horas ou dias viajando rio acima ou abaixo, atendimentos de saúde e cidadania se tornam um grande acontecimento para todos.

Neste mês, o Saúde Itinerante e o projeto Mulher Cidadã fixaram-se, por dois dias, nas proximidades da Vila São Vicente, na BR, ponto central do Complexo de Florestas.

Há 16 anos o Saúde Itinerante tem por meta alcançar populações de difícil acesso do Acre. A cada ano, cumpre seu papel de levar o bem-estar a quem quer que seja, não importa o lugar.

Mais de 1,2 mil atendimentos foram registrados nas mais diversas áreas (Foto: Val Fernandes/Secom)
Mais de 1,2 mil atendimentos foram registrados nas mais diversas áreas (Foto: Val Fernandes/Secom)

Desde 2015, os atendimentos ganharam a companhia do projeto Mulher Cidadã, que é coordenado pelo gabinete da vice-governadora Nazareth Araújo, com a parceria das secretarias de Saúde (Sesacre), de Políticas Para as Mulheres (SEPMulheres), de Articulação Institucional (SAI), de Segurança Pública (Sesp) e também da Defensoria Pública.

Todo esse conjunto institucional acrescenta aos atendimentos de saúde serviços como aconselhamento jurídico, consultas psicológicas, palestras voltadas para a mulher, feira solidária e delegacia especializada em atendimento à mulher.

A atenção dedicada por esses profissionais muda vidas, transforma o cotidiano de cada comunidade atendida e proporciona um mínimo de dignidade aos moradores das florestas acreanas.

Diversos são os relatos e histórias dos destinos que mudam, seja nas cabeceiras dos rios acreanos, nos ramais sinuosos e cheio de ladeiras lamacentas ou na BR-364.

A saúde no interior da Amazônia requer algo diferente de equipamentos altamente especializados. Segundo o médico George Umeoka, integrante do programa, basta ter “boa vontade”.

O movimento dos atendimentos

“Estamos vindo da comunidade Vai-e-vem, de Cruzeiro do Sul, na Reserva Extrativista Riozinho do Liberdade. Este povo aí vem em busca do Saúde Itinerante”, diz, sorrindo, Expedito do Nascimento, agricultor e líder comunitário.

Ele fotografa a chegada de toda a comitiva de 43 pessoas que desce do ônibus, após percorrer cerca de 60 quilômetros.

O evento vai além da saúde física: depois de meses isolados ao longo do rio, a horas da BR-364, os possíveis pacientes aproveitam para rever amigos, ouvir histórias de outras comunidades e estreitar os laços sociais.

Diversas comunidades do Complexo de Florestas do Rio Gregório e das proximidades compareceram ao atendimento (Foto: Arison Jardim/Secom
Diversas comunidades do Complexo de Florestas do Rio Gregório e das proximidades compareceram ao atendimento (Foto: Arison Jardim/Secom

Entre os passageiros da primeira comitiva, a prova de que o programa vale cada dia, hora e esforço dedicados pela equipe.

Mas há que se preparar de diversas formas, pois a jornada é de emoções também – como presenciar a alegria de uma jovem mãe dando lugar à tristeza, à dúvida e ao medo de o pior acontecer. Ao fazer a consulta com o ginecologista Umeoka, a jovem, que não quis ser identificada, recebeu a notícia de que o bebê em seu ventre estava morto.

Um breve momento de desespero do pai tumultuou a consulta, afinal, ninguém está preparado para esses comoventes imprevistos.

As dores nas costas que a jovem sentia eram o aviso de que, havia 15 dias, o feto estava já sem vida em seu útero. De imediato, ela precisava ser encaminhada para o hospital mais próximo, na cidade de Tarauacá, e isso foi feito, ou as complicações seriam ainda piores, com uma grave infecção.

Mas, para além de todos os obstáculos e reveses, a fundadora e coordenadora do programa, Celene Maia, mostra brilho nos olhos quando explica o trabalho realizado pela equipe e vê a resolução de algo na hora mais necessária: “Eu saio de cada atendimento e digo: ‘Meu Deus, nós conseguimos ajudar tantas pessoas. Mas, entre tantas, houve duas que foram muito importantes, porque praticamente a gente chegou no momento em que elas mais precisavam’. Isso faz com que eu me sinta com o dever cumprido depois de cada viagem”.

"No Saúde Itinerante, a gente abraça o paciente e procura resolver seu problema", diz Celene (Foto: Arison Jardim/Secom)
“No Saúde Itinerante, a gente abraça o paciente e procura resolver seu problema”, diz Celene (Foto: Arison Jardim/Secom)

Olhar para cada cidadão, entender sua necessidade, ouvir sua história e solucionar suas preocupações são princípios do programa.

O sentimento que cada profissional carrega nas ações é um bônus para os pacientes. “No Saúde Itinerante, a gente abraça o paciente e procura resolver seu problema. Nós lhe damos uma resposta. Humanização é você receber e acolher o paciente, viver suas dificuldades e não deixá-lo caminhar muito dentro do sistema de saúde”, explica a enfermeira.

São diversos os casos que marcam os dias de atendimentos. A história é escrita à medida que os médicos prescrevem os remédios e exames para o paciente, que vai à fármacia montada, ao laboratório ou à ultrassonografia.

E quando o enredo insiste em se alongar, o cidadão é encaminhado para serviços mais especializados na capital, dentro do sistema de saúde do Estado ou mesmo do TFD (tratamento fora de domícilio), o que representa cerca de 2% dos procedimentos.

O encontro da medicina com o saber da floresta

Além de vidas salvas e reestabelecimento da saúde, os encontros proporcionam algo mais para os envolvidos: um ganho de experiência para a vida toda. Seja para a comunidade, que se deslocou por um dia e meio pelo Rio Acurauá, seja para o médico paulista que vive no Acre há tantos anos, e também para o cubano, do programa federal Mais Médicos, que já começa a sentir a saudade que deverá advir após seu retorno à terra natal, em dezembro.

Grupo com mais de 20 pessoas enfrentou um dia e meio de viagem pelo Rio Acurauá em busca do atendimento (Foto: Arison Jardim/Secom)
Grupo com mais de 20 pessoas enfrentou um dia e meio de viagem pelo Rio Acurauá, em busca do atendimento (Foto: Arison Jardim/Secom)

“Em cada epopeia do Itinerante, além de levar a esperança com o atendimento médico e com nosso conhecimento, aprendemos muito com os pacientes e as comunidades também. Essa troca é muito importante, de poder ver de perto o sentimento humanitário com que essa gente vive”, explica Umeoka, ginecologista paulista que vive no Acre há mais de 16 anos e assegura não se arrepender em nenhum momento da escolha.

Ele lembra de um exemplo dessa atitude ao citar uma viagem pelo Rio Iaco, em Sena Madureira. Expressando um acolhimento frequente entre as famílias ribeirinhas amazônicas, a dormida e o jantar, ao chegarem à moradia, estavam garantidos para toda a equipe. “Aquela solidariedade com que o senhor nos recebeu em sua casa foi um aprendizado”, relata o profissional.

Todos os que se encontram com essa cultura da floresta levam a lição de acolhimento consigo. Foi exatamente esse o impacto que Celene teve em seu primeiro atendimento, em 1997, quando o médico Tião Viana, hoje governador, convidou-a para um desafio voluntário.

A experiência virou o programa de governo após Viana chegar ao Senado Federal e destinar emendas para o projeto.

"A gente aprende muito com os pacientes e as comunidades", diz Umeoka (Foto: Arison Jardim/Secom)
“A gente aprende muito com os pacientes e as comunidades”, diz Umeoka (Foto: Arison Jardim/Secom)

“Todos os que participaram desse atendimento não sabiam da dimensão e do quanto é importante chegar perto das pessoas, possibilitar esse acesso para aqueles que viviam muito isolados. A partir desse momento, surgiu no coração de muitos, inclusive no meu, essa vontade de ajudar”, relata Celene.

O encontro entre médico e paciente é muito mais proveitoso quando ambos sabem dos desafios de cada um. Nesta edição, a equipe pôde compartilhar a pousada com um grupo de 20 pessoas que passaram um dia e meio viajando em busca do atendimento.

“A caminhada foi muito díficil. A gente vem porque realmente tem necessidade de um atendimento de saúde com mais qualidade e dignidade”, explica Sandriele Cavalcante, jovem de 24 anos com a voz firme e determinada.

Sandriele e seus companheiros saíram das comunidades Estirão do Arraial e Boca da Saudade, ao longo do Rio Acurauá, região que foi transferida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2004, do Amazonas para o Acre.

A viagem, em canoas expostas ao sol e ao rio extremamente baixo, durou um dia e meio e consumiu boas energias dos passageiros. Hospedados por um dia no mesmo espaço, médicos e pacientes puderam trocar informações sobre suas realidades.

A permutação de experiências faz com que cada profissional tenha certeza do motivo de estar ali, longe de casa, do conforto do escritório, ajudando a resolver os problemas, por exemplo, de uma família que vive isolada há três horas de caminhada da beira da rodovía, no Rio Tauari.

Uma família em que todos têm algum tipo de transtorno mental que lhes dificulta a compreensão da realidade. “No dia em que eu parar de me envolver, parar de me preocupar, parar de sentir a dor das pessoas, não quero mais fazer o Saúde Itinerante”, revela Celene, ao encaminhar a família para a assistência social.

Em uma pequena sala, com uma cortina improvisada para preservar a intimidade da paciente, consultando parte das 1.200 pessoas atendidas na ação, Umeoka explica como o exercício de sua profissão pode ser aplicada em qualquer condição: “Para trabalhar nesse projeto, é primordial o sentimento de querer ajudar o próximo. Pode-se ver no nosso consultório aqui que, para fazer medicina, não é preciso pia de ouro, é preciso só um pouquinho de boa vontade”.


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