Ao ocupar o cargo de vice-governadora, Maria de Nazareth Mello de Araújo Lambert, a Nazaré Araújo, protagoniza um capítulo emblemático da história do Acre.
Primeiro governador escolhido pelo voto popular após a elevação do território à categoria de estado, seu pai, José Augusto de Araújo, que até então fora professor de filosofia, manifestava, aos 32 anos de idade, uma concepção de mundo avançada: defendia a aplicação do Método Paulo Freire na educação e chegou a assinar decretos de desapropriação de quatro seringais.
Entretanto, pouco mais de um ano após ter assumido o cargo, foi deposto em 1964, na sequência do Golpe Militar, e cassado em 1966, já residindo no Rio de Janeiro.
Impedido de exercer seus direitos políticos, quem tomou a frente da atuação pública dos Araújo foi Maria Lúcia, sua mulher e mãe de seu filho Ricardo. A distância, ela resolveu se candidatar a deputada federal. A campanha se fez por meio de uma carta, na qual relatava à população o delicado estado de saúde do governador afastado e a subsistência da família com uma afrontosa “pensão de morto-vivo”, subsídio mínimo que o governo militar concedia aos políticos com mandatos cassados. O detalhe é que se encontrava grávida, exatamente de Nazaré.
Com essa atitude valente diante de uma realidade tão complexa, Maria Lúcia conseguiu dois feitos: foi a candidata mais votada e a primeira mulher deputada federal pelo Acre. Em 1969, novo impedimento: logo após o fechamento do Congresso Nacional pelo regime militar, foi cassada pelo AI-5.
A essa altura, em decorrência dos abalos emocionais sofridos e já tendo sido submetido a exaustivos interrogatórios perante a auditoria militar do regime em Belém, a saúde de José Augusto foi-se fragilizando bastante. Deprimiu-se e sofreu quatro enfartes, até que faleceu em 71, aos 40 anos.
Nazaré tinha apenas quatro anos quando o perdeu. Mas, ao longo da vida, graças à presença da voz narradora da mãe, pôde apropriar-se da sua memória familiar: “Mesmo no hospital e debilitado, ele estava atento ao que se passava à sua volta. Pedia para minha mãe que levasse os livros e gibis dos filhos para as crianças internadas lerem. O partilhar era um grande valor em sua vida”, avalia.
A família permaneceu no Rio até 79, quando Maria Lúcia cumpriu o período de cassação e voltou para o Acre. Em 82, lançou-se candidata a deputada federal e não se elegeu. Foi então convidada a assumir a Fundação do Bem-Estar Social do Acre.
Nessa época, viajou com frequência ao interior do estado, muitas vezes acompanhada da filha, então adolescente. Experiência riquíssima para a formação humanista de Nazaré e peça fundamental para a composição de seu quebra-cabeças pessoal: “Eu entendi o sonho de meu pai: dar cidadania a quem nem tinha noção de que era cidadão. Foi ali que eu fiz um compromisso de vida”, conta.
Em 86 a incansável Maria Lúcia se candidatou novamente a deputada federal e venceu. De volta à capital federal, Nazaré estudou Direito na Universidade de Brasília (UnB).
O tempo mostrou-se um aliado. Entregou-lhe conquistas e superações. Procuradora do Estado do Acre há 20 anos, Nazaré se aproximou das ações de governo, até que assumiu a subchefia da Casa Civil, na primeira gestão do governador Tião Viana. Também construiu uma família: é casada e mãe de uma moça.
O passar dos anos trouxe reparações também. Em 2014, a Assembleia Legislativa do Acre anulou a cassação do mandato de José Augusto. O Estado registrava, então, uma correção histórica.
Este mês, durante as férias do governador, sua filha chefiou, pela primeira vez, o Executivo no Estado. Com um trato franco e gentil, a bela Nazaré – como não reparar? – afirma que faz questão de dedicar o olhar e o tratamento do feminino para as questões governamentais. Afinal, aprendeu em casa que essa competência, que tanto tem a ver com a atitude de cuidado com o outro e com o entorno, é cada vez mais necessária ao mundo.
Sua experiência de vida é, aliás, o grande propulsor de sua expressão social. “Depois de tudo o que minha família já atravessou, imagine a minha emoção ao receber o convite de Tião Viana para assumir agora esta responsabilidade”, diz. E arremata: “Tudo o que vivi dá significado a este momento. Temos desafios enormes, mas trabalhar neste projeto me deixa muito feliz, porque nele minha emoção está unida com a razão”.