Há mais de um século, uma parte da população brasileira fez a escolha de viver na natureza. Após vencer vários desafios e sofrer as dores da luta, os extrativistas acreanos estão há 16 anos vivendo uma nova realidade econômica e social. O morador da floresta ganhou um novo incentivo com a criação da Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre (Cooperacre), em 2011.
A cooperativa, fruto do trabalho da união de seus associados, comercializa os produtos florestais, como castanha, látex e frutas, chegando a movimentar mais de R$ 40 milhões e beneficiando 2.500 famílias associadas. Possui ainda quatro indústrias e em breve inaugura a quinta, em Sena Madureira.
Nesta sexta-feira, 10, inaugurou a Casa do Extrativista, em Xapuri. O local, que antigamente era o Memorial do Instituto Chico Mendes, vai funcionar como um escritório para receber os trabalhadores da região e como memória do líder que inspirou muitas das vitórias dos seringueiros.
O evento, que também teve uma assembleia entre os parceiros institucionais e os cooperados, contou com a presença do senador da República Jorge Viana, dos secretários de Estado de Meio Ambiente e de Indústria, Edegard de Deus e Sibá Machado, de equipes da Secretaria de Agricultura Familiar (Seaprof) e da Fundação de Tecnologia do Acre (Funtac), dos deputados estadual Leila Galvão e Lourival Marques e do prefeito de Xapuri, Bira Vasconcelos.
História dos extrativistas
O encontro foi palco para lembrança da história que fortalece, a cada ano, a identidade de quem vive e trabalha nas estradas de seringa, colhendo castanhas e cultivando roçados e frutíferas.
“Que mundo queremos construir para nós e nossa família?”, perguntou Jorge Viana ao público. A resposta vem na ponta da língua de quem tem certeza de seu lugar nessa história. “Quando estou cuidando da floresta, penso que estou levando a vida para o mundo, não só para mim. Acredito que pelo extrativismo vamos desenvolver um Acre melhor”, diz, convicto, Ademar Ferreira, morador do Projeto de Assentamento Agroextrativista Chico Mendes, em Xapuri.
Essa consciência de tantos trabalhadores, tanto na organização, quanto na preservação, tem raiz nos embates que ocorreram naquela região nas década de 1970 e 1980. “Naquela época ninguém tinha terra, a gente lutava pela força de nosso punho. Mesmo idoso, eu andava esses seringais todos para a gente se organizar. Hoje, uma parte estamos fazendo com a Cooperacre, representando o que lutávamos há 30 anos, se organizar em prol de todos”, afirmou, Manoel da Gameleira presidente da Cooperacre.
Manoel Monteiro, superintendente da cooperativa, fala o que ele acredita ser a uma das missões da entidade: “A Cooperacre é fruto da luta dos extrativistas, da luta de Chico Mendes. O que nós estamos fazendo, no dia a dia, é um trabalho do qual o mundo inteiro se beneficia. Trabalhamos para viabilizar os produtos da floresta e agregar valor a eles, para que o extrativista viva da natureza”. O reconhecimento do passado dá força para a evolução desses trabalhadores. Raimundão Mendes, um dos líderes dos seringueiros já nos tempos de grande luta, chamou seus companheiros para continuarem a jornada: “Chico Mendes pode não estar fisicamente entre a gente, mas ele continua nos guiando em seu espírito de libertação dessa gente”.
Apoio do Estado e futuro
A cooperativa, em parceria com o Estado em muitas ações, faz com que seus associados tenham confiança nos produtos da floresta e continuem seu modo de vida. “A borracha e a castanha sempre tiveram o preço muito baixo antigamente. Só quando começamos a vender o látex para a fábrica Natex que o preço aumentou. A castanha também aumentou, quando começou a chegar a R$ 7 todo mundo ficou enlouquecido. Fomos trabalhando e agora a lata de castanha chega a R$ 75”, afirma Raimunda Pinheiro, do Seringal Equador, Colocação Atoleiro.
Esse equilíbrio entre preservação e geração de renda para o Estado e para os moradores da floresta, é uma das bases que norteiam o desenvolvimento sustentável do Acre. Na reunião, os extrativistas reafirmaram seu compromisso com esse modo de prosperidade.
Os representantes do governo anunciaram o que está sendo planejado para este ano. A presidente da Funtac, Silvia Basso, falou sobre os desafios da produção de preservativos da Natex e garantiu que a indústria vai necessitar 180 toneladas de látex para 2017.
Ademir Batista, coordenador do programa Florestas Plantadas e Paulo Braña, coordenador de Agricultura Familiar da Seaprof, anunciaram o edital que disponibiliza R$ 40 milhões para ações nas cadeias produtivas da borracha, castanha, pecuária leiteira, fruticultura e suinocultura.
Já tem grupo se preparando para acessar esse recurso e buscar uma nova alternativa de renda. Dionísio Barbosa de Aquino, presidente da Cooperativa dos Produtores Florestais Comunitários (Cooperfloresta) explica o que está sendo planejado: “Nossa ideia é de plantar 250 hectares de açaí, com 200 famílias. Assim queremos dar um outro foco para nosso trabalho, a Cooperfloresta foi criada para comercialização da madeira, e agora queremos trabalhar com o reflorestamento com madeiras e frutíferas”.
Na confluência da geração de renda e da preservação ambiental, esses trabalhadores da natureza continuam a semear a cultura extrativista.“Não é para acabar com a floresta, ela é nossa salvaguarda. Se acabar com ela, vamos morrer todos na seca, sem ter onde plantar e criar. Eu quero ver a floresta em pé, para eu ir lá e tirar o meu sustento da castanha, da seringa, enquanto eu puder cortar”, afirma Raimunda.